Opinião
Paula DiPerna
Paula DiPerna é uma autora e pioneira climática norte-americana. Trabalhou vários anos com Jacques Costeau, foi Presidente da Joyce Foundation em Chicago e do Chicago Climate Exchange. Atualmente colabora com o enviado especial dos EUA para o clima, John Kerry.

Exclusivo: entrevista a Paula DiPerna, autora e pioneira ambiental

Valorizar o ambiente e a natureza numa transformação financeira pode ser um caminho para proteger o planeta
Texto
Paula DiPerna, autora (foto: AWAY/DR)
Paula DiPerna, autora (foto: AWAY/DR)

Paula DiPerna é uma autora norte-americana com largo currículo em sustentabilidade ambiental, defesa do planeta e alertas contra as alterações climáticas. Num exclusivo nacional a AWAY entrevistou esta pioneira ambiental, a propósito do seu novo livro.

"Pricing the Priceless" é o mais recente livro de Paula DiPerna, autora, palestrante e pioneira ambiental. Ainda sem data para lançamento no mercado português, este livro, publicado pela Wiley, mereceu já a nomeação do Financial Times para “Melhor livro de verão – categoria economia”.

A “transformação financeira para valorizar o planeta, resolver a crise climática e proteger os nossos mais preciosos recursos”, surge como subtítulo de “Pricing the Pricelesse este foi o mote para uma interessante conversa com a autora Paula DiPerna.

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Pricing the Priceless, de Paula DiPerna (foto: AWAY/DR)

Paulo Passarinho (PP)Com um crescente número de catástrofes a que vamos assistindo e as alterações climáticas cada vez mais uma evidência inegável, pensa que estamos a tempo de salvar o planeta?

Paula DiPerna (PDP) - Depende daquilo que entendemos por salvar o planeta. Do ponto de vista das alterações climáticas temos talvez 10 anos para evitar uma calamidade. Não digo propriamente o fim do mundo, mas para evitarmos um desastre temos claramente de ter o controlo sob as nossas ações. As pessoas com dinheiro pensam que podem sempre procurar um outro sítio para viver. Talvez até possa ser verdade. Mas as pessoas normais não têm essa possibilidade.

Temos tempo para poder agir, mas temos de meter muito mais dinheiro e acelerar projetos de sustentabilidade. Não entendo como é que somos tão lentos (enquanto sociedade e governantes) quando há tanto para fazer, como por exemplo redesenhar cidades, aumentar postos de carregamento elétrico, etc.

PP – E o que irá acontecer a todos aqueles que não podem mudar de sítio? Às populações ou países que neste curto espaço de tempo não vão conseguir acompanhar a necessária transformação energética?

PDP - Tenho uma solução radical para essa situação. Alguns destes países ou regiões são muito ricos em recursos naturais mas poluem muito pouco (dou o exemplo do Congo ou da Amazónia no Brasil).

Por exemplo, na Amazónia, se a desflorestação continuar, todo o dióxido de carbono que poderia ser absorvido vai diretamente para atmosfera. Então tudo o que se tem de fazer é encontrarmos uma forma desses países serem pago diretamente para não explorarem os recursos. Para isso será necessário construir uma rede de segurança que permita aliviar esses países pela não exploração dos recursos. Ou seja, dar o dinheiro como compensação e não como um empréstimo (para não terem de pagar).

Quanto mais tomarmos conta dos recursos naturais melhor.

PP – E qual deve ser o destino desse fundo? Alguns desses países têm alegadamente sérios problemas na gestão de dinheiros públicos e subsídios internacionais…

PDP - Há muitas pessoas que dizem que em alguns destes países há corrupção e que o dinheiro rapidamente seria aplicado em fins não ambientais, mas isso pode ser combatido. Por exemplo criando um Fundo Internacional de Compensação pela Sustentabilidade que fiscalizasse a entrega e utilização do dinheiro. E depois, com esse dinheiro, o que recomendo para estes países é maior investimento em tecnologia e mobilidade verde.

O público tem medo do futuro, por um lado vem o estado do tempo e querem mudar algo, mas por outro lado tem medo que as coisas mudem e percam os empregos. O que é necessário é fazer ver as pessoas que a transição verde pode criar empregos.

Temos de fazer um melhor trabalho a explicar a transição verde às pessoas por forma a que possam ter a certeza de que podem usar a mobilidade verde.

PP - Acredita que é possível ficarmos livres do consumo de combustíveis fósseis?

PDP - Todos tem um interesse pessoal e é um facto que é difícil por exemplo aquecer casas em climas muito frios apenas com energia solar ou eólica. Ainda é mais fácil e mais barato com fósseis como gás. O que é preciso é tornar os sistemas mais eficientes, para que seja possível alterar as coisas.

Mas as politicas hoje em dia são decididas a nível internacional e não nos podemos esquecer que a OPEC continua a explorar petróleo, injetando água e depois desperdiçam o gás…

PP – "Pricing the priceless". Um ponto de vista financeiro da crise ambiental? Porque decidiu escrever este livro?

PDP – Quis escrever sobre economia. A verdade é que passei por vários estágios ao longo da minha vida e percebi que é necessário refletir sobre o ambiente do ponto de vista económico. Podemos continuar a falar espiritualmente, mas se não valorizarmos as coisas e não criarmos novas ferramentas que podem valorizar o ambiente e onde as pessoas podem investir, não vamos lá.

Ao longo de décadas passámos de uma economia das coisas, para uma economia de serviços e ninguém faz nada, são apenas serviços, coisas inteligíveis.

Como é que uma Uber ou Apple vale hoje mais do que atmosfera que nos protege a todos? Se pensarmos bem, podemos viver sem os produtos dessas multinacionais, mas não podemos viver sem atmosfera. Então porque é que essas e outras empresas tem valores multibilionários e não damos valor à atmosfera? O livro fala disso, da importância de dar valor à atmosfera.

PP - Será que as pessoas comuns percebem isso? De que forma pretende passar a mensagem?

PDP - Temos de simplificar a forma como comunicamos, até porque há muitas pessoas que gastam dinheiro em coisas que não precisam e precisamos de lhes dizer que isso não é correto.

As pessoas têm investimentos e temos de perguntar para onde vai esse dinheiro. Se não mudarmos a forma como ganhamos e gastamos dinheiro, perdemos o planeta.

Escrevi este livro para mudar consciências. Temos de inverter os nossos sistemas de avaliação financeira e utilizá-los para avaliar o que não tem preço e proteger os recursos naturais de que mais necessitamos e que mais amamos.

PP – Investimentos verdes? No seu livro fala de um novo tipo de fundos verdes já experimentados nos EUA.

PDP – A sustentabilidade é um mercado. Na Califórnia foram experimentados um novo tipo de fundos: Forest Resilience Bond.

Pega-se num bocado de floresta que possa estar desaproveitado e verifica-se à volta da mesma quem beneficia se a floresta não arder? Faz-se uma lista, pessoas que vivem nos arredores, e de negócios (calcular o seu valor se não ficarem destruídos). Por exemplo o turismo de floresta. Aqui é fácil de colocar um valor porque as pessoas vão passear e isso pode ser uma atividade turística.

Não esquecendo as empresas de seguros (se não arde, não têm de pagar indeminizações), companhias energéticas que tenham hidroelétricas (porque se as florestas não arderem há maior retenção de água e as hídricas podem funcionar durante mais tempo).

Mas como poderemos fazer isto funcionar? Temos de nos tornar um protetor da floresta, limpar, tomar conta das ervas daninhas, contratar pessoas e tornar a floresta mais resiliente.

Agora sabemos que se pode colocar um número na floresta e esta primeira experiência deve começar a ser experimentada em outros países, quem sabe em Portugal que sofre tanto com incêndios. No meu livro explico como se pode avançar com esta ideia.

PP - Qual acha que é o nosso mais valioso recurso?

PDP – De uma forma geral valorizamos muito pouco a atmosfera, água e biodiversidade. O meu livro é uma jornada para que as pessoas em que devemos colocar um preço nestas coisas não para privatizar, mas para valorizar.

Por exemplo se uma árvore captura 1 tonelada de carbono e nós temos mercado de carbono, sabemos exatamente quanto custa essa tonelada de carbono. De deixamos queimar as árvores, sabemos exatamente quanto nos custa essa destruição, por isso temos de perceber o valor das coisas.

PP – No livro refere uma visita ao Vaticano. Como foi essa experiência?

PDP - Falei com um dos cardeais assistentes do Papa Francisco e tentei explicar este conceito. Acredito que fiz parte de um conjunto de pessoas que nos últimos anos contribuíram para que o Papa tenha uma nova visão sobre a sustentabilidade, que pode ser útil para passar a mensagem às novas gerações.

No meu livro dou vários exemplos e falo de alguns case study, desde a ação do CEO da Puma que refletiu nos lucros uma eventual compensação se tivesse de pagar à natureza, ou o exemplo de um fundo para controlar a população de rinocerontes, ajudando as populações afetadas. Sempre com a mesma ideia: proteger as coisas que mais amamos.

PP – Da leitura da sua biografia salta o trabalho junto do icónico explorador Jacques Costeau. Tem alguma experiência dessa aventura que possa partilhar?

PDP - Uma das lições que Costeau nos deixou é que as pessoas irão proteger o que amam. Um dos objetivos das suas expedições oceânicas foi fazer com que as pessoas se apaixonassem pelo mar. Não teve como premissa dizer que estamos a perder a costa ou peixes. Quis fazer as pessoas acreditar que o planeta é espetacular, cheio de mistérios e que a maioria das coisas belas do planeta são livres. Nós podemos ir apenas olhar e desfrutar do oceano. Isso não tem preço.

A verdade é que os atuais sistemas humanos são inadequados para proteger o planeta. O mundo tem de criar uma nova ordem que responda às necessidades do planeta. Temos de ir atrás de grandes ideias. E basta o senso comum.

PP – Se tivesse oportunidade de discursar nas Nações Unidas em defesa do planeta, que mensagem deixaria?

PDP - Diria que o mundo está numa encruzilhada, por causa da convergência das crises e a maneira mais eficiente de acabarmos com guerras é termos mais equilíbrio no planeta. Isto requer que ciência, política e capital trabalhem em conjunto de uma forma como nunca fizeram.

A ONU pode fazê-lo, mas temos de colocar um valor e entender que existe um valor na natureza que pode subsidiar o nosso bem-estar e manter-nos nesta viagem.

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Paula DiPerna e Paulo Passarinho (foto: AWAY/DR)

Biografia

Paula DiPerna é uma autora norte-americana com atenção especial às alterações climáticas, tendo trabalhado com o explorador oceanográfico Jacques Costeau durante vários anos. Foi Presidente da Joyce Foundation em Chicago (fundação de filantropia ambiental), liderou a divisão internacional do Chicago Climate Exchange (CCX – primeiro mercado de carbono do mundo) e colabora com o enviado especial para o clima e políticas energéticas do governo norte-americano, o ex-secretário de Estado, John Kerry.

A AWAY realizou a entrevista a Paula DiPerna a convite da secção de Imprensa, Educação e Cultura (Public Diplomacy Section) da Embaixada dos Estados Unidos da América em Lisboa.

nota: Agradecimento à Casa Balthazar em Lisboa, pelas facilidades concedidas para a realização da entrevista.

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