Opinião
André Mendes
Concebido logo após o 25 de abril de 1974 e nascido em Lisboa, refugiou-se na Ajuda para passar o seu primeiro quarto de século. Quando a família cresceu, mudou para a outra margem do Tejo e foi viver para perto da praia e para longe do trânsito. Já teve dois filhos, plantou uma árvore e escreveu milhões de carateres desde que entrou no mundo do jornalismo automóvel há mais de 20 anos, porque conduzir é uma das suas maiores paixões.

Paradoxo ecológico

Os automóveis com motor de combustão continuam a ser fuzilados em hasta pública como os maiores destruidores do planeta.
Texto
Poluição barcos, carros e aviões
Poluição barcos, carros e aviões

Num mundo em que a eletrificação está na ordem do dia e com uma escala de crescimento gigante, os automóveis com motor de combustão continuam a ser fuzilados em hasta pública como os maiores destruidores do planeta. De fora, ficam os aviões, os navios, os camiões, fábricas e tantas outras coisas que também contribuem para o estado em que estamos a deixar este planeta.

Nesta fase, em que os automóveis a que me habituei e nos quais aprendi a conduzir são os “mauzões”, vai ser necessário ajustar a forma de pensar e teremos todos de nos adaptar a um novo mundo elétrico que, na realidade, até já conta com modelos que me deixam muito na dúvida sobre qual será o modelo que me desperta as melhores sensações.

Conduzir um carro elétrico com o desafio constante de conseguir prolongar cada ponto percentual da carga da bateria é um dos novos jogos que mais gosto de fazer quando estou ao volante de um carro elétrico e só me lembro das estações de serviço quando preciso de um café e passar pela aquela divisão onde ninguém pode ir por mim. No entanto, para a grande maioria das pessoas que já conduz um carro elétrico no seu dia-a-dia, a ideia é a de que está a melhorar o planeta a cada minuto que passa. Mas o problema principal é mesmo o que está por detrás de tudo isto.

A produção das baterias necessárias para alimentar os automóveis elétricos também está a fazer com que o planeta sofra, ainda que de outra forma. Em vez das dificuldades que a nossa esfera azul preferida tem em respirar, estão a escavar as suas entranhas em busca de materiais preciosos e a um ritmo cada vez superior, que acompanha a crescente procura por modelos deste género. E depois há ainda o problema do que é que se faz às baterias antigas quando estas já não conseguem alimentar o sistema elétrico de um automóvel da melhor forma.

É uma espécie de paradoxo ecológico onde o melhor dos vários mundos me deixa sempre com a sensação de que falta qualquer coisa e de que são os lucros que continuam a impor mais regras e métodos de trabalho, em vez de se procurarem soluções para, de facto, se proteger o planeta. Claro que este é um tema que levaria a uma tremenda base de dados de opiniões e dissertações variadas que nem sempre puxariam para o mesmo lado.

Felizmente, em vez de atacar redes sociais com opiniões, que é a solução imediata de muitos para a grande maioria dos problemas, há marcas e diversas instituições a pensar em soluções para problemas individuais, mas que acabam por contribuir para um bem-estar geral e para uma finalidade que poderá não ser a perfeita, mas que ficará cada vez mais próxima desse patamar.

É que, no meio do crescimento da procura e oferta deste novo mundo eletrificado, é necessário começar a tomar medidas para um futuro cada vez mais próximo em que os novos modelos de hoje se vão começar a transformar nos automóveis velhos de amanhã. Entre as soluções que vão sendo colocadas em cima da mesa, há umas que me têm cativado mais do que outras e que me parecem deixar de ser apenas uma ideia ou um projeto para o futuro e sim algo que é cada vez mais real e plausível.

A primeira está relacionada com a reciclagem dos mais variados componentes. No caso das baterias, a Universidade de Waseda, no Japão, acabou de apresentar uma solução que simplifica a extração dos metais preciosos das baterias já existentes e os consegue aproveitar para a produção de novas baterias, praticamente com a mesma qualidade de quando eram novos, aliás, numa percentagem muito próxima dos 100 por cento.

Além das baterias há ainda marcas, como a BMW e Volkswagen, por exemplo, que já se encontram a estudar formas de criar modelos novos, mas com componentes que já estão a ser pensados para mais do que um automóvel. Ou seja, forros de assentos que se podem desmontar, reciclar e utilizar em novos assentos, rodas que se retiram facilmente e se desmontam para que se possam construir novas ou mesmo a gravação a laser de elementos numa carroçaria que até já dispensa a presença de tinta, como o logo da marca, com o objetivo de eliminar a presença de componentes desnecessários.

Outra das soluções que também me parece ter pernas para andar é a busca de novos materiais destinados essencialmente à produção de baterias para automóveis elétricos, que podem ser produzidos artificialmente e que dispensam a extração de materiais nobres do planeta, ou pelo menos, um processo que a percentagem de utilização destes seja cada vez mais reduzida. Em termos de eficiência, o resultado final pode ficar um pouco abaixo do desejado, mas no contexto global, será uma solução muito mais “amiga do ambiente”.

Se todos contribuirmos para um bem-estar global, o objetivo será mais facilmente alcançado. Não faz sentido nenhum eu investir num carro elétrico e alterar a rede da minha casa para usufruir de um carregador que possa usar diariamente, nem fazer a reciclagem do lixo com recipientes específicos, se o carro que está parado à minha frente no semáforo deita tanto fumo como se estivesse nevoeiro e o seu condutor tenha acabado de atirar o pacote de tabaco vazio pela janela.

Apesar de tudo isto, e só para aqui que ninguém nos ouve, confesso que tenho algumas saudades de acordar um potente motor V8 pela manhã no silêncio da garagem, apenas para sentir o seu primeiro ronco diário da melhor forma possível. Não é lá muito ecológico, mas que é das melhores sensações do mundo, isso não posso negar.

Concebido logo após o 25 de abril de 1974 e nascido em Lisboa, refugiou-se na Ajuda para passar o seu primeiro quarto de século. Quando a família cresceu, mudou para a outra margem do Tejo e foi viver para perto da praia e para longe do trânsito. Já teve dois filhos, plantou uma árvore e escreveu milhões de carateres desde que entrou no mundo do jornalismo automóvel há mais de 20 anos, porque conduzir é uma das suas maiores paixões.

 

 André Mendes, escreve esta crónica a convite da AWAY Magazine.

 

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